Coordenadora do Nudedh, Thaisa Defante, esteve junto às equipes de contagem nas ruas de Campo Grande. (Foto: Vitor Ilis)
Texto: Vitor Ilis
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul acompanhou nesta semana contagem do 1º Censo da População em Situação de Rua de Campo Grande. A coleta de dados aconteceu nos dias 30 de setembro e 1º de outubro, com equipes do município divididas em diferentes rotas para cobrir todas as regiões da capital.
A realização do censo inédito é uma conquista da Defensoria Pública de MS, que articulou a iniciativa em parceria com a Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos (Sead) e a Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS). O levantamento é o primeiro do tipo realizado no município e permitirá ao poder público conhecer o perfil da população em situação de rua da capital.
A coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos (Nudedh), defensora pública Thaisa Raquel Medeiros de Albuquerque Defante, acompanhou uma das equipes durante a rota que identificou pessoas em situação de rua na Avenida Ernesto Geisel, às margens do córrego, entre a Avenida Manoel da Costa Lima até o Shopping Norte Sul.
Defensora monitorava abordagem de pessoas em situação de rua. (Foto: Vitor Ilis)
“A Defensoria Pública de MS mobiliza a realização do 1º Censo da População em Situação de Rua desde 2024 e, por isso, essa primeira etapa da contagem é uma importante conquista para a Defensoria, para essas pessoas, que por diversos motivos estão nessas condições, e para todo o município de Campo Grande. Esse trabalho em grupo permitirá o alinhamento e a construção de políticas públicas mais efetivas. A intenção é evitar que pessoas cheguem às ruas; criar condições para que aquelas que já estão, consigam sair; e, principalmente, assegurar dignidade a quem permanecer”, afirma Thaisa.
Anos de articulação
A atuação da Defensoria Pública em defesa dos direitos da população em situação de rua começou muito antes da realização do censo. Em novembro de 2023, a instituição promoveu uma reunião para discutir a criação e implementação do Comitê Intersetorial de Monitoramento e Acompanhamento da População em Situação de Rua (Ciamp-Rua) em Campo Grande.
"O objetivo do encontro foi o de alinhar a implantação do Ciamp, em Campo Grande", explicou Thaisa na época. A proposta visava articular políticas integradas entre diferentes órgãos governamentais — saúde, assistência social, habitação, educação e segurança — para atender de forma mais efetiva esse público vulnerável.
Encontro foi realizado na sede da Defensoria Pública-Geral de MS. (Foto: Arquivo DPE/MS)
Ainda em novembro de 2023, a Defensoria realizou outro encontro voltado especificamente para debater propostas de políticas públicas destinadas à população em situação de rua da capital. Entre os pontos discutidos estavam o fortalecimento de abrigos, a criação de programas de inclusão social, a melhoria no acesso a serviços públicos essenciais e medidas de enfrentamento às vulnerabilidades que prolongam a condição de rua.
Em dezembro de 2023, a instituição reforçou a importância da realização de um novo censo municipal, argumentando que os dados disponíveis estavam desatualizados e não refletiam a real dimensão e o perfil dessa população. A Defensoria defendeu que um censo atualizado seria fundamental para planejar políticas públicas eficazes e alocar recursos de forma adequada.
Representates de órgãos após reunião com membros de órgãos públicos. (Foto: Arquivo DPE/MS)
O debate sobre a metodologia e os detalhes da realização do censo avançou em fevereiro de 2024, quando a Defensoria promoveu nova discussão sobre o tema. O diálogo envolveu órgãos públicos, entidades da sociedade civil e instituições que atuam diretamente com essa população, buscando definir alcance territorial e mecanismos de parceria.
Em maio de 2024, a Defensoria organizou a entrega de uma carta elaborada pelas próprias pessoas em situação de rua ao presidente da Câmara Municipal de Campo Grande. No documento, essas pessoas relataram suas vivências, reivindicaram direitos e apontaram demandas urgentes — como melhor acesso à saúde, assistência social, moradia digna e políticas preventivas.
Defensora Thaisa e presidente da câmara de Campo Grande à época, vereador Carlão. (Foto: Arquivo DPE/MS)
Cobrança formal
Em novembro de 2024, a Defensoria Pública instaurou um Procedimento para Apuração Preliminar (PAP) para cobrar que a prefeitura de Campo Grande cumprisse a Política Nacional e a Lei Municipal 6.517/20, voltadas à população em situação de rua. A norma municipal, aprovada em 2020, determinava a realização de levantamento bienal dessa população, mas nunca havia sido implementada.
A medida visava o funcionamento do Ciamp-Rua Municipal e a realização do censo previsto em lei. A iniciativa se apoiou em decisão do Supremo Tribunal Federal (ADPF 976), que obriga municípios a aplicar as diretrizes nacionais, e em recomendações conjuntas feitas pelas defensorias e pelo Ministério Público Federal.
Defensora Thaisa Defante, coordenadora do Nudedh, em audiência pública na Câmara de Campo Grande (Foto: Izaias Medeiros/Câmara de Campo Grande)
Em maio deste ano, a Defensoria reforçou a cobrança durante audiência pública na Câmara Municipal. Na ocasião, a subsecretária municipal de Direitos Humanos anunciou que o Ciamp-Rua Municipal começaria a funcionar em 2025.
Construção do censo
A partir do diálogo entre Estado e Município, com articulação da Defensoria, o trabalho evoluiu de uma simples contagem para um levantamento mais amplo do perfil das pessoas em situação de rua. Em 4 de agosto, foi criado um grupo de trabalho com representantes das instituições para organizar o censo e elaborar um termo de cooperação.
Primeira reunião do grupo que deu inicio a comissão com integrantes de órgãos parceiros. (Foto: Vitor Ilis)
"A política pública, ela vem por um decreto federal de 2009 que precisa ser cumprido na sua integralidade, porém, é muito difícil fazer um traçado do que precisa, de onde estamos e para onde vamos quando a gente está no escuro e não tem dados. Então, a importância do trabalho de contagem, do levantamento do perfil das pessoas que estão em situação de rua, ele tem a finalidade de dar efetividade à política pública para que não se trabalhe no escuro, mas, assim, baseado em dados e informações", explicou a defensora.
Coordenadora do Nudedh, defensora pública Thaisa Defante. (Foto: Vitor Ilis)
Pelo Estado, participam do grupo a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos (SEAD) e a Secretaria Geral de Governo (Segov), por meio da Segemes. Pelo Município, integram a iniciativa a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), a Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) e a Planurbe. Ao longo do processo, outros atores se somaram, como organizações da sociedade civil, o Ministério Público e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que ofereceu contribuições técnicas importantes.
O grupo realiza reuniões constantes para discutir e planejar as diversas etapas do trabalho, além de desenvolver um questionário que reunirá dados atualizados para orientar políticas públicas.
Apresentação de dados durante reunião. (Foto: Vitor Ilis)
Segundo Thaisa, o objetivo do censo vai além de quantificar a população em situação de rua. "O que é necessário? O que precisa para auxiliar as pessoas que estão em situação de rua para saírem da rua? O que eu preciso fazer para evitar que elas entrem na rua? Mas também qual é a forma que eu dou dignidade enquanto elas estão nessa situação?", questionou a defensora.
A coordenadora do Nudedh ressalta que a política pública para essa população deve combater a discriminação e a aporofobia, termo que designa o ódio ou preconceito contra pessoas pobres. "Sempre a gente aponta essa perspectiva e não um olhar estigmatizante, que aprofunda a discriminação e a aporofobia, que é o ódio à pobreza, às pessoas que são pobres, que muitas vezes é uma postura que a gente enfrenta pela sociedade", afirmou.
Defensora ouvindo relatos de pessoas em situação de rua durante mutirão noturno realizado em julho deste ano no centro de Campo Grande. (Foto: Vitor Ilis)
Thaisa Defante em atendimento na praça Aquidauana no dia 19 de agosto, data nacional da luta das pessoas em situação de rua. (Foto: Vitor Ilis)
Próximas etapas
Para a organização da fase de campo, foram realizadas diversas reuniões de planejamento e mapeamento das áreas de maior concentração de pessoas em situação de rua. As equipes também passaram por capacitação teórica antes de iniciar a etapa de contagem nas ruas da capital.
Mapeamento das regiões foi tema de algumas das reuniões de planejamento do Censo. (Foto: Ellen Albuquerque)
Defensoria, Estado e Município participaram de treinamento das equipes de contagem. (Foto: Vitor Ilis)
Formação ocorreu na sede do IMPCG já em setembro. (Foto: Vitor Ilis)
A defensora alerta que o trabalho não se encerra com a contagem realizada nesta semana. Ainda serão feitos o contrarreferenciamento e o levantamento detalhado do perfil da população em situação de rua. Os dados coletados devem orientar a elaboração de políticas públicas mais adequadas às necessidades desse grupo nas áreas de assistência social, saúde, educação e acesso à justiça.
Coordenadora do Nudedh, Thaisa Defante e e o secretário-executivo da Sead, Bem-Hur Ferreira. (Foto: Vitor Ilis)
Superintendente de inteligência de dados da Segov, Leandro Sauer durante reuniões do grupo de trabalho. (Foto: Vitor Ilis)
Vice-prefeita e secretária municipal de Assistência Social e Cidadania, Camilla Nascimento, durante primeira reunião do Censo. (Foto: Vitor Ilis)
Equipes de contagem para o Censo da População em Situação de Rua. (Foto: Vitor Ilis)
Moradia improvisada encontrada durante contagem realizada na Av. Ernesto Geisel, em Campo Grande. (Foto: Vitor Ilis)